segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Rascunhos quase terminando

Pra acabar logo. O primeiro fala de uma notícia que eu vi no jornal, do menino holandês Ruben van Assow, de nove anos de idade, que foi o único sobrevivente de um acidente de avião que matou 103 pessoas na Líbia. Com essa notícia, eu, que acreditava piamente em destino, comecei a ter dúvidas ventiladas pelo acaso. Porque aquele menino, e justamente aquele menino no meio de tantos? Será que foi algo meant to be ou meramente uma manifestação do caos que rege esse universo? Bem, até hoje não consegui decidir a resposta pra essa pergunta, mas fiz esse texto pra expressar um pouquinho o que borbulhava na minha cabeça à época. Já o segundo texto eu não consigo lembrar o contexto em que nasceu, e olha que foi escrito um dia depois desse do menino sole survivor. E tá muito ruim, mas vai assim mesmo.


Rascunho abandonado em: 18/05/2010

Eram nove da noite e ela estava inquieta. Achava-se estranha de uma forma que não compreendia, como se sua alma estivesse se revirando. Ela não conseguia pensar, não conseguia mais pensar sobre muita coisa, agora ela só sentia. Forte, fraco, bem ou mal, e a intensidade das sensações ocupavam-lhe tanto espaço por dentro, que acaba não sobrando nada para o entendimento do que lhe acontecia. Ela, sempre tão eternizada dentro de si, havia virado uma pessoa instantânea.
Uns dias atrás, havia lido uma notícia no jornal que lhe balançara as estruturas da percepção.


Rascunho abandonado em: 19/05/2010


Ai meu deus, vai, toma logo essa minha alma que dói dentro de mim.
Sem ela, um vazio ocupará espaço dentro de ti.
Um vazio a mais, um vazio a menos, não faz diferença...
Mas se ao menos eu soubesse o que faz diferença.

sábado, 4 de dezembro de 2010

A faxineira

Salut! Mudei de idéia: não vou mais postar a tradução que falei no post passado, pelo menos por agora. Depois se pá eu mudo de idéia. Esse texto que vai hoje é antigo, e o título da postagem é o mesmo do rascunho que segue.

- Rascunho abandonado em: 04/05/2010


Eu era um cara reservado, tranquilo. Um escritor boêmio desses tão característicos que chegava a beirar o clichê. Ultimamente estava passando por uma fase depressiva, meio negra. Passava os dias em casa, de portas e janelas fechadas, saindo apenas para comprar umas cervejas e o jornal diário na banca, nada além da minha rua.
Não estava me importando muito com o modo como estava vivendo, parando a vida, eu acho. As poucas pessoas que faziam parte da minha esfera afetiva estavam começando a ficar preocupadas. Diziam que eu havia emagrecido, que estava assustadoramente pálido, que meus olhos pareciam covas de tão fundos, e que uns primeiros cabelos brancos estavam querendo aparecer. Bem, eu não ligava. Tudo que queria era ficar quieto, na minha, me esconder do mundo.
Ninguém entendia por que eu havia decidido me resguardar num exílio próprio, domiciliar. Nem eu entendia direito, de fato, como isso começou, mas uma vez que começara, já parecia ser para mim a única realidade existente, como se sempre houvesse sido assim.
Os conhecidos reclamavam, os amigos cobravam muito, como se fosse uma obrigação eu estar sempre presente, sempre ali... naquele lugar comum à vista de todos, à vista da sociedade, à vista das bocas e dos ouvidos. Mas aquilo já não me interessava mais, nem as luzes dos holofotes que um dia me ofuscaram os olhos, nem a prestação de contas e as satisfações que todos supunham que eu fosse obrigado a dar. Ninguém entendia que me era permitido sumir, que eu tinha o direito de ir e vir, de aparecer e desaparecer. Tá na constituição.
Meus familiares então, não aguentando mais me ver naquele estado que para eles parecia deplorável, contrataram uma faxineira para limpar minha morada, já que eu não me importava mais em fazê-lo.
Era uma quinta-feira pela manhã quando abri a porta para ela, Antônia. Abri a porta e deixei-a entrar em casa, sem ligar muito para aquilo, e me enfurnei no meu quarto, onde eu podia ficar sem ser incomodado, à sós com meus pensamentos.
Passei lá algum tempo, algumas horas, alguns minutos. Talvez tenha cochilado, era difícil dizer. Tive vontade de pegar uma cerveja, então me levantei e saí do quarto em direção ao resto da casa. E qual não foi minha surpresa ao ver como estava a casa!
Na sala de jantar, Antônia havia pendurado na parede um antigo quadro meu, que há muito tempo jazia esquecido de cabeça para baixo, ocultando meu retrato, soberana. O cômodo todo parecia ser governado por aquele retrato sóbrio, cheio de certezas, alto, acima de todos os móveis.
Fui ao banheiro, e outro susto levei quando vi o espelho. Estava limpo, nítido, e eu pude me ver! Depois de tanto tempo, pude me ver! Sem sujeira nenhuma entre o espelho e eu, sem borrões entre meu reflexo e eu, sem manchas entre eu e mim. Fiquei olhando aquela imagem, admirado, espantado. Meus olhos realmente estavam fundos como covas, como diziam, e contrastando com eles havia um olhar raso que os preenchia. Era eu, e há tanto tempo que não me via! Só então, ao encarar aquela imagem minha que me contemplava, percebi que até mesmo para mim mesmo estava sumido.
Deixei o banheiro e fui a outros cômodos, notei que os móveis estavam ocupando lugares diferentes do habitual, os livros estavam arrumados, a antiga estrutura inteira de organização estava rearranjada, e eu gostei. Havia gostado das mudanças que aquela mulher, que colocava o dever antes mesmo às necessidades de seu corpo, não parando nem para se alimentar enquanto trabalhava, tinha trazido a meu espaço.
Com a faxina, muita poeira que eu nem sabia mais que estava ali se levantou e se tornou perceptível, começou a me incomodar. Isso irritou meu corpo, e meu sistema, que ingeria toda aquela sujeira acumulada, tentou expulsá-la, e eu comecei a espirrar sem parar. Comecei a passar mal, a sufocar. Achei que ia morrer, estava tendo uma crise horrível de alergia. Passei algum tempo agonizando, horas, minutos. Talvez tenha desmaiado, era difícil dizer.
Então aquele mal estar foi esvaecendo, deixando meu corpo, e aos poucos fui me recuperando. Percebi que toda aquela poeira acumulada tinha que levantar e se dispender no ar. Que aquela sujeira tinha que se tornar visível para que eu pudesse enxergar e mandá-la embora. Assim, daquele dia em diante, comecei a respirar melhor.