quarta-feira, 23 de dezembro de 2015

Olhar pro céu e prestar atenção por onde piso

Aos poucos retomando o estudo da psicanálise que minhas próprias resistências fizeram abdicar por um tempo. Agora, quando passo por um deslocamento vivido como descolamento de sintoma, que é o que traz uma dor, uma angústia e uma confusão pouco vivenciadas pelo aparelho psíquico antes, percebo que fazer análise não é nada como antes visto ou vivido. Fazer é análise é buscar se desconhecer. É entrar às cegas em um terreno escuro, misterioso e perigoso. É invocar os próprios demônios até então adormecidos para fazer companhia pros acordados. É um exercício de autocontrole, paciência e dosagem.
Hoje já faço análise direto há mais de um ano com a mesma analista, depois de duas outras tentativas de alguns meses com outras analistas, sem nunca ter ido ao divã. Eis então que decido ler o excelente livro "O psicanalista vai ao cinema", de Sérgio Telles, e no meio da prazerosa leitura que une duas coisas que muito me covomem: psicanálise e cinema; chego à parte intitulada "As horas" - Aqui ninguém tem medo de Virgínia Wolf. Pelo contrário. Algumas idéias sobre o filme e o livro homônimo de Michael Cunningham.
De tudo que li até então do livro, essa parte foi a que mais me atingiu. A parte mais tiro porrada e bomba, mais certeira e pá! E na passagem que transcrevo, o autor conseguiu exprimir exatamente um dilema que convive comigo há anos e anos. O dilema eterno entre olhar pro céu e prestar atenção por onde piso. Almejar o alto, o sublime, a quintessência, sem preterir o real, o mundano e a beleza admirável, simples e corriqueira do dia-a-dia. Vou deixar que o psicanalista pensador magistral fale tão bem por mim:


"... Uma percepção da riqueza extraordinária da vida, de seu caráter trágico; uma captação exacerbada da passagem do tempo. São percepções que a maioria das pessoas embota para conseguir viver melhor, para não entrar em desespero com os sonhos jamais realizados, o corpo que entra em decadência, a perda daqueles arrebatados pela morte, o conhecimento de que o mesmo ocorrerá com cada um de nós em data incerta.
São percepções que se misturam com outras, advindas do prazer de estar vivo e usufruindo o momento presente, a alegria de poder constatar a beleza e o horror das coisas, sentir o amor e o ódio que permeiam tudo em volta.
Penso que Rimbaud, quando disse "por delicadeza, perdi minha vida", tinha esse tipo de impasse em mente. Talvez para não "perder a vida", tenhamos de sufocar essa sensibilidade aguda que nos dispersa e fragmenta a atenção numa miríade de ocorrências e vivências, dificultando a atuação concreta, o agir concentrado e atento às tarefas práticas e imediatas exigidas pela realidade. Mas, em assim fazendo, também corremos o risco de "perder a vida", pois estaríamos eliminando algo central, da maior importância, o alimento de nossas almas e nosso espírito se estiolaria nas mesquinharias do dia a dia."

- Sérgio Telles em "O psicanalista vai ao cinema"

sexta-feira, 2 de outubro de 2015

Esteja alerta para a regra dos 3

Hoje, de repente, veio à minha mente a música Silence, de Portishead. Música sensacional que começa com "Esteja alerta para a regra dos 3, o que você dá retornará para você, essa lição você tem que aprender: você só ganha o que você merece". Será? I wonder.
Será a vida uma (in)finita sucessão de karma? Não parece muito certo quando paro pra pensar em pessoas boas com uma vida tão ruim. Gente que sofre desde o momento em que nasce, pessoas que tem uma carga de sofrimento tão grande que é até difícil de imaginar como suportam.
O que pensar, então, daquelas pessoas péssimas, sem caráter, sem escrúpulos, amorais ou imorais, que se dão tão bem na vida. Aqueles que já nascem sob o signo da sorte e ainda conseguem ser ingratos a ela.
O conceito de karma começou a fazer mais sentido na adolescência, e embora até hoje eu duvide dele - o que não quer dizer desacredite, mas questione - sempre me preocupei em passar coisas boas, não fazer o mal - o que não quer dizer que eu sempre tenha sucedido.
Há algum tempo, desde que comecei a estudar psicologia, talvez, coloquei na cabeça que tudo tem três lados. A realidade é inapreensível, por isso, numa relação com outro ser humano sempre vão existir 3 lados: o teu, o outro, e o real.
A psicanálise fala do Consciente, Pré-consciente e Inconsciente/ Id, Ego, Superego. Aliás, costumo dizer que na vida acredito em 3 coisas (quand même): no amor (no sentido de energia, e no seu oposto), na arte e na psicanálise. Tríade mais uma vez.
Que tipo de triângulo? Dizem que a vida é um ciclo, um eterno retorno. A imagem que me vem à mente, então, é um círculo contido num triângulo, um universo contido em outro plano, planos. Multiversos tridimensionais.
O ponto é que hoje me veio à mente Silence, de Portishead. Não tão de repente assim, já que a letra fala de várias questões que perpassam minhas reticências. E apesar da melodia incrível, da voz de anjo-do-além da Beth Gibbons, e da letra filosófica-intrapessoal, o mais genial da música é o final.
É o final que responde as perguntas, com ou sem resposta. Talvez a falta de resposta seja uma resposta. Uma resposta a todos os questionamentos da música, a todos os questionamentos das nossas vidas. O final é um silêncio. Abrupto. O silêncio. Silence

terça-feira, 10 de março de 2015

Don't use your illusion

 
Era sábado de carnaval, eu e uns amigos decidimos ocupar o ap vazio da Luana pra uma festinha leve de cervejas, comidinhas e desfile mudo de escolas de samba ao som de playlists aleatórias. Quando todos já estavam cansados, pedimos que dois táxis viessem nos buscar. Mais cedo naquela noite tinha conversado com um dos presentes sobre fazer análise, ambos fazíamos e adorávamos a percepção diferenciada que tínhamos alcançado por ela.
Um dos taxis chegou, e da varanda o Gustavo comunicou-se com o taxista pedindo que o esperasse descer, e depois nos disse: "Bom, eu pedi pra ele esperar, se ele ainda vai estar lá em baixo quando eu chegar, eu não tenho garantia nenhuma, mas pedi.". Não pude deixar de rir e comentar que aquela realmente foi uma frase de quem fazia análise.
Veja bem, quando se faz análise a gente aprende que nunca há garantia de nada na vida. Absolutamente nada. Tudo é incerto, misterioso e mutante. Mesmo as coisas mais banais que achamos que podemos tomar como garantidas, como um taxista que decide não esperar; um familiar que não estará mais vivo quando você chegar da escola; ou aquele americano-dream-guy que te convidou pra mudar-se com ele pra outro estado e um dia fura por causa da chuva.
A ilusão da certeza é atraente, confortável e conveniente. Você vê, eu faço análise. Uma vez por semana deito minhas costas naquele divã desconfortável em busca da melhor posição, uma vez por semana coloco minhas certezas em cheque, analiso minhas posturas e ações, e ainda assim, num piscar de olhos jogo todo o trabalho analítico pro alto pra me apoiar na certeza da garantia.
Começo a imaginar o incerto como fato, só porque algumas pistas lideram pra esse caminho. Esqueço daquele texto atribuído ao Shakespeare que diz que: "beijos não são contratos e presentes não são promessas". O que mais me irrita nessa história toda é que sou naturalmente desconfiada e duvidosa, mas em busca de um pouco de paz de espírito renuncio à dúvida companheira pra crer em uma certeza traiçoeira e otimista.
A lição que tiro dessa é nunca mais subestimar meus instintos, não tentar transformar um alerta vermelho em sinal verde. E, é de fato como havia de ser, "algumas novidades são repetições disfarçadas", o eterno retorno. Muda a versão, mas não muda a música, stuck on repeat.
E o horizonte que parecia a um passo de distância, distancia-se ao passo. O furo é a falta. Perguntas pedem, no mínimo, respostas. Pra finalizar, deixo as palavras de Buk-cão-dos-infernos, um verdadeiro poeta visionário. "Love? Is kinda like, you know when you see a fog in the morning when you wake up before the sun comes out? It's just a little while and then it burns away." .  

And needless to say, 'cause you already did. Both, New Order and Joy Division.


quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

Insira destinatário

No sonho ela disse: "Eu voltei", e ele respondeu: "Eu também voltei"; mas eles jamais voltariam. Eles jamais poderiam voltar, pois não eram quem foram quando se despediram e partiram. (but my mind keeps playing tricks on me). E ninguém mais conseguiu entrar pela porta que ele deixou aberta quando se foi.