domingo, 30 de novembro de 2008

Um sopro

Um sorriso leve
breve como uma folha seca pairando no ar
Um sorriso seco pairando no ar
Foi o sorriso que ela deu
abaixou a cabeça e suspirou
Deu as costas e sumiu
Ela entendera a situação
nada mais havia a ser dito
Um sorriso de quem já havia vivido demais
e que nada mais surpreendia
Um sorriso flutuante que se esvaeceu no ar
levado por um sopro

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Haikai da dor

Ai!
O preço que se paga às vezes é alto demais
É alta madrugada já é tarde demais
pra pedir perdão, pra fingir que não foi mal
Uma luz se apaga no prédio em frente ao meu
Sempre em frente foi o conselho que ela me deu
sem me avisar que iria ficar pra trás
E agora eu pago meus pecados por ter acreditado que só se vive uma vez
Pensei que era liberdade, mas na verdade me enganei outra vez
O preço que se paga às vezes é alto demais
É alta madrugada já é tarde demais
Mais uma luz se apaga no prédio em frente ao meu
É a última janela iluminada
Nada de anormal
Amanhã ela vai voltar
Enquanto isso eu pago meus pecados por ter acreditado que só se vive uma vez
Eu pago meus pecados por ter acreditado que só se vive uma vez
Pensei que era liberdade, mas na verdade era só solidão...

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Terror de te amar...

Terror de te amar num sítio tão frágil como o mundo
Mal de te amar neste lugar de imperfeição
Onde tudo nos quebra e emudece
Onde tudo nos mente e nos separa


Sophia de Mello Breyner Andresen

.

Poema que muito me recitavam numa época, e que não sai da minha cabeça desde então. Poema que me foi recitado outro dia numa ligação, e que hoje veio emergir por aqui.
Faz sentido, agora faz sentido.

terça-feira, 4 de novembro de 2008

Posso escrever os versos mais tristes esta noite.

Escrever, por exemplo: "A noite está estrelada,
e tiritam, azuis, os astros lá ao longe".

O vento da noite gira no céu e canta.

Posso escrever os versos mais tristes esta noite.
Eu amei-a e por vezes ela também me amou.

Em noites como esta tive-a em meus braços.
Beijei-a tantas vezes sob o céu infinito.

Ela amou-me, por vezes eu também a amava.
Como não ter amado os seus grandes olhos fixos.

Posso escrever os versos mais tristes esta noite.
Pensar que não a tenho. Sentir que já a perdi.

Ouvir a noite imensa, mais imensa sem ela.
E o verso cai na alma como no pasto o orvalho.

Importa lá que o meu amor não pudesse guardá-la.
A noite está estrelada e ela não está comigo.

Isso é tudo. Ao longe alguém canta. Ao longe.
A minha alma não se contenta com havê-la perdido.

Como para chegá-la a mim o meu olhar procura-a.
O meu coração procura-a, ela não está comigo.

A mesma noite que faz branquejar as mesmas árvores.
Nós dois, os de então, já não somos os mesmos.

Já não a amo, é verdade, mas tanto que a amei.
Esta voz buscava o vento para tocar-lhe o ouvido.

De outro. Será de outro. Como antes dos meus beijos.
A voz, o corpo claro. Os seus olhos infinitos.

Já não a amo, é verdade, mas talvez a ame ainda.
É tão curto o amor, tão longo o esquecimento.

Porque em noites como esta tive-a em meus braços,
a minha alma não se contenta por havê-la perdido.

Embora seja a última dor que ela me causa,
e estes sejam os últimos versos que lhe escrevo.



Pablo Neruda