quinta-feira, 23 de junho de 2016

Autofagia

Olhou-se no espelho. Olheiras profundas, rosto marcado pelas cicatrizes do tempo. Seu olhar era como o mar à noite: escuro, misterioso, assustador & convidativo. Carregava dentro do peito um bicho muito feroz, que por isso vivia enjaulado; mas às criaturas selvagens nada é capaz de controlar.

Aparentemente calmo, como toda superfície, encobria as tempestades que ocorriam no núcleo mais emaranhado da floresta. As correntes e grades eram uma mera conveniência, um esforço vão para acalmar a consciência. Àquela fera nada continha, fosse à luz do sol ou da lua, rugia com urgência, e enquanto libertava-se destruindo tudo em volta, encerrava seu hospedeiro à prisão.

Contemplativo e impotente, o pobre homem apenas encarava-se. Tinha fome, e na falta de alimento, devorava-se. O bicho em fuga naufragava no mar sem ondas nem farol. Desviou o olhar.

14/10/13

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