quarta-feira, 28 de dezembro de 2016

11:11

Já faz um pouco mais de 3 meses que eu tô aqui, 3 meses que a gente se conhece. Fazia menos de duas semanas que eu tinha chegado quando te conheci, e não conhecia quase ninguém. Passava meus dias e minhas noites no 6ème, o bairro burguês, na casa de uma francesa antipática, a olhar a vida passar pela janela estilo haussmannien. Ouvindo Piaf e Carla Bruni, e imaginando que formas e estilos teria minha nova vida recém começada. Tudo era novo, diferente e estranho, e eu estrangeira, L'Étranger partout, e eu nunca li Camus.
Tinha caído de paraquedas, atrasada, "por acidente", num país onde não domino a língua e a cultura. Até hoje ainda me admiro de estar aqui, vivendo aqui, estudando na universidade aqui, rodeada por baguettes, cafés, cigarros e vinhos. "Bonjour!","Ça va?", "Excusez-moi, mon français n'est pas bon". Então a solidão recém nascida resolver dizer "salut", e foi quando a gente se cruzou. Tu te ofereceu pra ser meu guia e eu aceitei. Era fácil conversar contigo, mesmo numa língua difícil.
Quando a gente se encontrou, uma das primeiras coisas que tu me disse foi: "Tu me fais confiance?". E ali estávamos nós, numa tarde linda de setembro, fim de verão, começo de outono, temperatura amena e sol bem disposto, acho que às 5 da tarde. Eu tinha acabado de te conhecer, mas sem hesitar respondi que sim, e deixei que tu me guiasse pelas ruelas e passagens secretas de Vieux Lyon. Uma pergunta inusitada, várias perguntas inusitadas, mas eu senti que podia confiar naquele homem igualmente dividido entre masculinidade e doçura, o que parfois é um pouco confuso pra minha cabeça. Acho que a gente se gostou logo de cara, e mesmo tu sendo tão diferente dos outros que já conheci, me pareceu familiar.
Tu insistiu em me acompanhar até em casa, e enquanto passávamos por uma ponte tu sorriu sem motivo aparente. "Pourquoi tu ris?", eu perguntei. E tu respondeu dizendo: "Je suis content! Tu n'es pas contente?", e é claro que eu tava contente, super contente, eu só não tava acostumada com alguém tão direto quanto tu. E desculpa se naquela noite eu não deixei tão claro que tu me faz contente, e desculpa se ainda hoje eu não consigo deixar isso tão claro, por mais que eu queira e tente, do meu jeito.
Da última vez que a gente se viu chovia. Eram seis horas da tarde de começo de inverno, na ópera de Lyon. Tava escuro como se fosse noite alta, e tu apareceu como uma visão com um casaco preto comprido cheio de botões, e eu te achei lindo. A gente andou pelas ruas dividindo meu guarda-chuva, teu braço tremia segurando o guarda-chuva, e vendo que eu ainda me molhava tu falou que eu deveria ficar com ele só pra mim; e é claro que eu não aceitei. Eu queria partager o guarda-chuva contigo, como quis dividir o mesmo prato que a gente comeu no primeiro encontro, tudo simbólico. Como eu gostaria de dividir mais da minha vida e do meu tempo contigo, mais da minha cama estreita contigo, mesmo que às vezes eu demonstre o contrário.
A gente não pôde passar o dia no parque como tu gostaria, por causa da chuva. Caminhamos na chuva e molhamos nossas meias. Eu odeio ficar com as meias molhadas, mas tu ainda de meias molhadas era adorável, e as meias molhadas não pareciam te incomodar em nada. Tu adorou saber que na minha cidade tem um refrigerante cor-de-rosa chamado Jesus, e disse que falaria disso pros teus amigos; amigos que eu não quis conhecer não porque eu não quisesse fazer mais parte da tua vida, mas porque meu francês quebrado me veio como uma barreira.
"No Brasil, quando a gente olha as horas iguais assim, como agora, 21:21, a gente diz que tem alguém pensando na gente". "Ah é? E se for tipo 11:11, quatro vezes o mesmo número, quer dizer que tem alguém pensando em ti ainda mais forte?". A gente teve nossa primeira briga pelas 2 da manhã. Eu já tava morando aqui no 7ème, finalmente tinha um chez moi, que quis dividir contigo logo depois de ter me mudado, antes mesmo de ter arrumado todas as minhas coisas. Depois que resolvemos a briga eu coloquei Harvest Moon do Neil Young pra tocar, e com minha cabeça encostada no teu peito eu pensei que ali era exatamente onde eu queria estar. Quando tu foi embora eram mais de 6 horas da manhã e ainda chovia. Tu me falou que teus sapatos ainda estavam molhados e perguntou se eu conseguiria voltar a dormir agora que tu não estivesse mais roncando no meu ouvido.
Já faz um tempo que eu não te vejo, mesmo que a gente esteja constantemente se cruzando, e mesmo que numa dessas vezes eu estivesse com outro homem do meu lado, e tu com outra mulher do teu. Nos falamos ontem, mas não sei se nos falaremos depois disso. Eu ainda tenho algumas coisas pra te dizer, mas acho que vou acabar guardando-as pra mim. Quis fazer esse texto pra ti, mesmo que tu não saiba ler português, ou talvez justamente por isso, mas esse texto é pra mim também, pra nós. Eu não sei se existirá um nós depois desse texto, mas espero que sim. E se não tiver... bom, eu não sei. Quem sabe? São 3 da tarde, e mesmo que as horas não sejam iguais, mesmo que os dias passem impiedosamente rápidos, nos deixando pra trás, Je pense à toi, très fort.

Nenhum comentário: