segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Dancing with myself

Já eram nove da noite, ele deveria ter chegado às sete, mas desde a hora em que acordou ela o esperava. Deveria ser um dia especial para eles, aquele. Ela tinha planejado tudo, escolhido seu melhor vestido, vestido seu melhor sorriso, perfumado-se com seu melhor estado de espírito e até ensaiado tudo que gostaria de dizer. Passou o dia preparando-se para quando o momento chegasse, ocupou-se disso, inebriou-se com as lembranças de seus momentos, grandes e pequenos. Deleitava-se com cada lembrança, sozinha. Às cinco da tarde, decidiu que era hora de preparar o jantar; às seis, subiu para arrumar-se. Pôs seu vestido, seu vestido mais bonito, seu perfume. Passou rímel para alongar o olhar, para que seu olhar conseguisse alcançar, alcançar o ponto mais profundo da alma de seu amado, e depois, o batom. No batom podia-se ler "eternamente sua" inscrito na lateral, em fonte rebuscada. Por alguns minutos esqueceu do tempo ao contemplar-se no espelho. Encontrou sua imagem perdida em pensamentos, felizes pensamentos, gostou do que viu. Sentia-se amada, sentia-se bonita, sentia-se bem & leve. Escolheu a música que tocou quando dançaram pela primeira vez. A música que eles ouviram quando seguraram as mãos, olharam-se nos olhos e souberam, souberam quem eram. Tirou o jantar do forno, encheu as taças de vinho, e sentou-se, vestido florido de saia rodada, salto vermelho, lábios eternamente dele, olhar distante e perfume doce. Sentou-se e esperou pacientemente. Esperou o jantar esfriar, as taças esvaziarem e serem enchidas novamente, a garrafa de vinho esvaziar e continuar vazia. Esperou os ponteiros do relógio girarem e girarem & girarem mais outras vezes. Já eram nove da noite, ele deveria ter chegado às sete, mas desde a hora em que acordou ela o esperava. Duas velas em castiçais derretiam tristes e chorosas sobre a mesa, o silêncio da noite entrava pelas janelas com o vento. A lua, ela olhou a lua, como quem esperasse compreensão, nada. À lua, ela brindou à lua, às dez da noite. Bebeu sua última taça de vinho, acendeu um cigarro. Ela tinha tentado parar de fumar, mas acendeu um cigarro. Manchou o cigarro com seu batom, eternamente só. Odiou seu vestido, odiou seu perfume, odiou-se, odiou só. Ele não viria mais. Às dez da noite o relógio parou para ela, os ponteiros continuaram rodando, eternamente rodando. Levantou-se, vestido florido de saia rodada, pés descalços, lábios sem dono. Foi até a vitrola e colocou a música para tocar, a música que tocou quando dançaram pela primeira vez. Naquele momento, não soube quem era, quem ela era. Dançou sozinha, dançou pela primeira vez sozinha, longos cílios, sem olhar para olhar. Fechou os olhos e concentrou-se, pôde sentir o amargo perfume da tristeza. Naquele momento toda a solidão do mundo entrou com o vento pela janela e dançou, dançou com ela. Duas velas minguantes em castiçais sobre a mesa, taças vazias, garrafa vazia, jantar frio. A lua, a lua cheia lá fora derramava-se pelo chão da sala em luz fria. E a saia, a saia rodada dançava na sala iluminada, dançava pela sala vazia, eternamente só. *

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