terça-feira, 4 de novembro de 2008

Posso escrever os versos mais tristes esta noite.

Escrever, por exemplo: "A noite está estrelada,
e tiritam, azuis, os astros lá ao longe".

O vento da noite gira no céu e canta.

Posso escrever os versos mais tristes esta noite.
Eu amei-a e por vezes ela também me amou.

Em noites como esta tive-a em meus braços.
Beijei-a tantas vezes sob o céu infinito.

Ela amou-me, por vezes eu também a amava.
Como não ter amado os seus grandes olhos fixos.

Posso escrever os versos mais tristes esta noite.
Pensar que não a tenho. Sentir que já a perdi.

Ouvir a noite imensa, mais imensa sem ela.
E o verso cai na alma como no pasto o orvalho.

Importa lá que o meu amor não pudesse guardá-la.
A noite está estrelada e ela não está comigo.

Isso é tudo. Ao longe alguém canta. Ao longe.
A minha alma não se contenta com havê-la perdido.

Como para chegá-la a mim o meu olhar procura-a.
O meu coração procura-a, ela não está comigo.

A mesma noite que faz branquejar as mesmas árvores.
Nós dois, os de então, já não somos os mesmos.

Já não a amo, é verdade, mas tanto que a amei.
Esta voz buscava o vento para tocar-lhe o ouvido.

De outro. Será de outro. Como antes dos meus beijos.
A voz, o corpo claro. Os seus olhos infinitos.

Já não a amo, é verdade, mas talvez a ame ainda.
É tão curto o amor, tão longo o esquecimento.

Porque em noites como esta tive-a em meus braços,
a minha alma não se contenta por havê-la perdido.

Embora seja a última dor que ela me causa,
e estes sejam os últimos versos que lhe escrevo.



Pablo Neruda

Um comentário:

Siturcio disse...

Gentileza? De certo que a gentileza acompanha a admiração, já que a última é bem maior e mais reluzente que aquela, já que a gentileza não tem luz própria, pois advém de uma fonte alheia a si mesma. A gentileza é o caminho pelo qual demonstro minha estima pelo vosso suntuoso trabalho e, ainda assim, creio ser pouco.

Vosso amor por este mundo é digno de gentileza, admiração, senão de adoração. E qualquer que não se sinta bem em ser gentil, admirador ou apaixonado não tem do direito de lê-lo, pois não estaria em sincronia com ele.

Ser-se-lhe gentil é o mínimo a retribuir ante a tudo que me oferece. Sê-lo-ia mais se houvesse em mim a destreza que em ti há, mas não há. São poucos os merecedores deste brilho e você é uma destas estrelas que tem um brilho infindável e crescente, és supernova e, bem sabes disso. Eu, todavia, apenas vejo este lume ascendente e me sinto cada vez mais airoso por conhecê-lo.

Quanto à linkar o meu blog no vosso, ser-me-á uma grande honra.

És nada menos que talento puro e agradeço, gentilmente, por me deixar participar deste vosso gracioso mundo! Parabéns e obrigado.

Beijos.