quinta-feira, 18 de setembro de 2008

Abençoados os que esquecem

"Sometimes the most important stuff goes away, it goes away so bad, it’s like it was never there to begin with. It’s funny the stuff that sticks in your head."

Hoje eu tava arrumando as tralhas do meu quarto e encontrei alguns diários, coisas escritas de muito tempo atrás. Eu não lembrava de ter escrito quase nada daquilo, incrível. Pior ainda: eu não lembrava de ter passado por aquelas coisas... chega a ser assustadora a capacidade de selecionar os fatos que a nossa memória tem.
Coisas importantíssimas que desaparecem como se nunca tivessem acontecido, coisas banais que ficam no lugar, coisas banais que mudam, por motivos conhecidos ou não, a memória tá sempre sendo construída e desconstruída e isso muda tudo. Mudar a memória é mudar a vida.
Fróid diz que as lembranças mais importantes sempre somem e as banais ocupam o lugar, linkando os fatos daquilo que não se consegue resgatar. Como no dia em que a irmã dele nasceu e tudo que ele recordava era ter feito uma viagem de trem. Ou quando você conhece alguém e esquece de praticamente toda a interação que teve com essa pessoa, mas consegue perfeitamente lembrar da calça quadriculada que aquela sua melhor amiga da quinta série tava usando na sala de música, ou da camisa branca que talvez não fosse branca que seu namorando usou na primeira vez que vocês se viram.
Eu lembro de uma discussão em uma aula de história no terceiro ano em que o professor disse que o passado era mutável e todos da sala, incrédulos e putos, riram e discordaram (um aluno inclusive se excedeu mais que os outros, gritou com o professor e dormiu o resto da aula, babando o livro de história geral em protesto). Minha posição a respeito disso tudo eu não recordo, mas a cara amassada do menino que dormiu eu consigo lembrar.
Como diria Woody Allen: a história é feita de vencedores, se os nazistas tivessem ganhado a segunda guerra talvez os judeus é que fossem considerados os monstros. A história muda, as lembranças mudam, o passado muda. E nada é tão presente quanto o passado.
O que importa é que nós escolhemos como vamos lembrar ou esquecer do que acontece.
Eu odiei ler o que tinha escrito, odiei minha letra e odiei saber que aos dez anos dava tchau pro diário toda vez antes de parar de escrever, então eu juntei tudo e queimei ('espríto piromaníaco' delicioso). Agora é só esperar que as lembranças sejam levadas junto com as cinzas pelo vento, pra eu poder mudar tudo na minha cabecinha e fingir que certas coisas nunca aconteceram. Ain't oblivion grand? Damn!

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